quarta-feira, 14 de julho de 2010

Que droga

Mais uma vez, como quase todos os dias, as drogas estão nos jornais. Desta vez é a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento que divulga uma carta em defesa da liberalização da maconha, enquanto outro grupo de estudiosos reafirma a necessidade peremptória de tudo proibir, inclusive o álcool e o tabaco, definitivamente (Fico com medo do que será proibido depois, afinal, como ensinava uma velha pichação nos muros de Salvador, até virgindade dá câncer).

De um lado, os neurocientistas afirmam que a maconha tem efeitos benéficos. Do outro, o Presidente da “Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas”, o psiquiatra Carlos Salgado argumenta (vale a pena citar) que: “Existem tantas alternativas, tanto para o controle da dor, quanto para o controle do apetite que não precisamos lançar mão de um indivíduo fumando maconha dentro de um hospital” (“Não existe droga benéfica, diz associação”, FSP, Cotidiano, 14 de julho)

Lembro até de um amigo que numa farmácia, ao cruzar com uma distinta senhora e sua cestinha com seis caixas de Valium, exclamou: “Aê, hein minha tia, eu fumo só um baseado no fim de semana e o drogado sou eu!”

O fato, absolutamente banal, é que nos drogamos. Dentro ou fora da lei. Todos nós, e o ser humano em geral desde o princípio dos tempos. Talvez hoje, é verdade, em maior quantidade ou freqüência, ou de forma mais danosa. Mas este é um fato que dificilmente podemos atribuir às substâncias em si, afinal algumas delas, como o álcool, estão na praça há milhares de anos.

A questão é quais serão as permitidas e quais as proibidas e neste caso as neurociências e a psiquiatria das evidências podem dar alguma ajuda, mas os psicanalistas, psicólogos, sociólogos, antropólogos, juristas, e muitos outros que vivem atormentados por ter que lidar com o sofrimento e a miséria humanos para muito além das evidências, também gostariam de dar seus palpites, para não mencionar os economistas, contadores e marqueteiros, que mesmo sem querer deveriam ser convocados a nos ensinar algo sobre o poder das drogas, em especial o poder financeiro, talvez o mais assustador deles.

Por hoje, quanto ao tema da liberalização (que não por acaso lembra liberalismo e, portanto, mercado), fico apenas me perguntando se não seria mais realista e talvez mesmo justo se legalizássemos tudo e os psiquiatras e laboratórios farmacêuticos simplesmente processassem os traficantes por concorrência desleal ou exercício ilegal da profissão.

[Devo confessar que escrevi com medo de fazer “apologia do crime”. Pretendo apenas fazer, como psicanalista, apologia da fala]

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